No raiar de uma nova aurora
despertas para a revelação
da insuportabilidade
no caminho que já trilhaste
soltas uma lágrima incontida
na percepção embaciada
da chegada
ao ponto onde a luz esmorece ...
e refugias-te.
Apagas a lembrança de ti,
abandonas-te
sem reflexão, amordaças as dores
que infligiste em quem escolheu viver-te,
e que te rasgam
no silêncio,
como navalhas acabadas de afiar
[recuas perante as imagens
insidiosas,
invasivas e acusatórias]
mudas de ser,
camisa lavada sobre cinzas,
destroços esmagados pelo peso do erro
que rejeitas
e embrulhas em papel pardo.
Não és mais aquele,
és um novo ser, pujante na confiança encomendada
distante dos pecados que outros sofreram
ignorante das memórias
que te esforças por não ter.
[Nos silêncios temes a ressurreição
nas ausências inventas intenção.]
Recuperas manifestos de felicidade,
receitas de bem-estar “Al punto”,
que incorporas no quotidiano
incorpóreo
repudiando as incursões do sentir,
quando emergem os resquícios
do teu ontem enterrado
passas pelos dias com impaciente sofreguidão
na procura da confortante distância
mas carregas em ti o receio
permanente
do momento em que a escuridão engolfe
o cansaço.
No despertar do teu ser abandonado
(…ignorado…)
(…esquecido…)
(…repudiado…)
encontras-te perante um ”EU”
que te acusa
de encarnares o que não és
enterrando em ti
o que não mais desejas ser.
[Reconheces-te
e não sabes como fazer
para te aceitares
perante ti.]
Num remoinho esquizoide
de revolta sensitiva
ajoelhas a tua vontade,
derrubas a determinação,
pões de rojo a ilusão.
Encetas um novo percurso
com as cinzas do teu Outro
que se confunde
numa mescla de ti
em busca da absolvição.
Na simbiose
do ontem com o não ser
regressas ao ponto da ruptura
e com a alma despida
abres caminho ao futuro
que te aguarda
indiferente às dores que em ti carregas
descobres, sem surpresa,
sem alegria ou tristeza,
que o destino que te acolhe
é seres tu próprio, nada mais ...
[... acolhes em ti o perdão ...]
JCE 02/2011